DISPERSÃOPerdi-me dentro de mimPorque eu era labirinto,E hoje, quando me sinto,É com saudades de mim.Passei pela minha vidaUm astro doido a sonhar.Na ansia de ultrapassar,Nem dei pela minha vida…Para mim é sempre ontem,Não tenho amanhã nem hoje:O tempo que aos outros fogeCai sobre mim feito ontem.(O Domingo de ParisLembra-me o desaparecidoQue sentia comovidoOs Domingos de Paris:Porque um domingo é familia,É bem-estar, é singeleza,E os que olham a belezaNão tem bem-estar nem familia).O pobre moço das ansias…Tu, sim, tu eras alguem!E foi por isso tambemQue te abismaste nas ansias.A grande ave douradaBateu asas para os ceus,Mas fechou-as saciadaAo ver que ganhava os ceus.Como se chora um amante,Assim me choro a mim mesmo:Eu fui amante inconstanteQue se traíu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerroNem as linhas que projecto:Se me olho a um espelho, érro–Não me acho no que projecto.Regresso dentro de mim,Mas nada me fala, nada!Tenho a alma amortalhada,Sequinha, dentro de mim.Não perdi a minha alma,Fiquei com ela, perdida.Assim eu choro, da vida,A morte da minha alma.Saudosamente recordoUma gentil companheiraQue na minha vida inteiraEu nunca vi… Mas recordoA sua bôca doiradaE o seu corpo esmaecido,Em um halito perdidoQue vem na tarde doirada.(As minhas grandes saudadesSão do que nunca enlacei.Ai, como eu tenho saudadesDos sonhos que não sonhei!…)E sinto que a minha morte–Minha dispersão total–Existe lá longe, ao norte,Numa grande capital.Vejo o meu ultimo diaPintado em rôlos de fumo,E todo asul-de-agoniaEm sombra e àlem me sumo.Ternura feita saudade,Eu beijo as minhas mãos brancas…Sou amor e piedadeEm face dessas mãos brancas…Tristes mãos longas e lindasQue eram feitas pra se dar…Ninguem mas quís apertar…Tristes mãos longas e lindas…E tenho pena de mim,Pobre menino ideal…Que me faltou afinal?Um élo? Um rastro?… Ai de mim!…Desceu-me nalma o crepusculo;Eu fui alguem que passou.Serei, mas já não me sou;Não vivo, durmo o crepusculo.Alcool dum sôno outonalMe penetrou vagamenteA difundir-me dormenteEm uma bruma outonal.Perdi a morte e a vida,E, louco, não enlouqueço…A hora foge vivida,Eu sigo-a, mas permaneço…. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .Castelos desmantelados,Leões alados sem juba…. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ._Paris–Maio de 1913._Mario de Sá-Carneiro
Un poema de Mario de Sá-Carneiro
Responder